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Instituto dos Registos e do Notariado

Comemorar 50 anos de Liberdade

A Constituição de Abril e o fim dos "filhos ilegítimos" no Registo Civil

Como nos ensina a História e nos lembra o preâmbulo da nossa Lei Fundamental, a Constituição da República Portuguesa:

"A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.

Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.

A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais."

Até então, o Direito da Família refletia a orientação ideológica do sistema político dominante, pelo que se tornava obrigatória a sua revisão, no sentido de o adaptar à evolução social ocorrida.

Era, pois, necessário conformar esse Direito com os novos valores constitucionais e afastar conceções, valores e menções que não estivessem de acordo com os princípios da Constituição da República, aprovada pelo Decreto de 10 de Abril de 1976.

Com efeito, a Constituição de 1976 veio proibir a discriminação com base na filiação, ao determinar que «os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições públicas oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.» [artigo 36.º, n.º 4 – determinação que se mantém na atualidade].

Desta forma, foi necessário adaptar o Código Civil de 1966 aos novos princípios e parâmetros que a Constituição introduziu no ordenamento jurídico português. Esta adaptação ficou conhecida como a Reforma de 1977 e entrou em vigor a 1 de abril de 1978.

Esta reforma quis criar uma nova realidade e cortar com o passado, tornando-se um ponto de viragem no Direito da Família. Foi uma reforma impulsionada por sentimentos de justiça e questões de direitos humanos, na qual as crianças, bem como as mulheres, foram protagonistas. Neste sentido, foram removidas regras e práticas relativas a legitimação e filiação ilegítima, discriminações legais obsoletas, por serem contrárias ao estipulado no n.º 4 do artigo 36.º da Constituição.

De facto, ao longo de todo o Código Civil encontravam-se muitas normas contrárias aos princípios constitucionais, que teriam que ser retiradas ou adaptadas à nova Lei Fundamental. Mas era sobretudo no Direito da Família que se detetavam grandes contradições. Chegou mesmo a afirmar-se, na Assembleia da República, durante a discussão do projeto de reforma do Código Civil, que o artigo 36.º da Constituição (Família, casamento e filiação), por si só, exigia um novo Código da Família.

Assim, a Reforma de 1977, como não podia deixar de ser, teve consequências noutros diplomas legais, nomeadamente no Código do Registo Civil, bem como na atuação dos serviços públicos.

O Decreto-Lei n.º 51/78, de 30 de março, que aprovou o novo Código do Registo Civil, eliminou do assento de nascimento as menções a filho legítimo ou ilegítimo.

Mas, até à entrada em vigor deste novo regime jurídico, foram lavrados milhares de assentos nos quais constam essas menções discriminatórias. No entanto, elas podem ser removidas, bastando apenas um simples pedido verbal dos interessados, para que se faça um novo assento de nascimento, em conformidade.

Nas transcrições de assentos de nascimento, efetuadas oficiosamente por falta de espaço na coluna destinada aos averbamentos (procedimento que teve lugar até às profundas alterações introduzidas em 2007 no Código do Registo Civil), eram igualmente eliminadas essas menções discriminatórias.

E, também no que diz respeito à emissão de certidões de registos, o Código do Registo Civil estabelece que as «que contenham menções discriminatórias de filiação são, sempre que possível, obrigatoriamente emitidas por meios informáticos com eliminação das referidas menções, seja qual for a espécie e o fim a que se destinem (…)» [Artigo 212.º, n.º 4].

No que se refere à emissão de certidões de assentos existentes nas Conservatórias (e lavrados de acordo com a legislação então em vigor), há que garantir o direito fundamental de igualdade de tratamento para os filhos nascidos “fora do casamento”, fazendo com que nessas certidões não conste a menção a “filho ilegítimo”.

Também nas transcrições de assentos e na emissão de certidões que tivessem menções de isenção de selo ou de emolumentos, por razões de pobreza ou indigência, essas referências deviam ser retiradas, por serem discriminatórias e inconstitucionais.